quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Um silêncio insuportável


“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
(Carlos Drummond de Andrade)

A internet é o lugar da perfeição. Ninguém tem defeitos nas redes sociais. Essas são respostas preliminares a interpelações freqüentes que me fazem devido à minha nova condição: tornei-me um sujeito anacrônico, retrógrado, pois há cerca de duas semanas, resolvi abolir minha conta do Facebook.
Eu tinha o hábito de olhar a linha do tempo da minha página, rolava a barra de status, lia as postagens, comentava e curtia algumas, outras eu ignorava, e notei que há dois tipos nas redes sociais: os perfeitos e os imperfeitos. Os últimos estão em extinção, postam uma infelicidade ou outra, mas logo a suprimem com uma foto feliz, em um lugar feliz, com gente feliz. Transitam rapidamente da fragilidade para um estado inabalável de perfeição que só as redes sociais proporcionam. Uma aporia irresoluta para meu ínfimo ser.
Fato é que eu me sentia um estranho, humano demais – o que é um crime, não se pode permitir isso em locais públicos - e tive seguidas crises pessoais, gastei muito dinheiro com psicólogos, ouvi que eu era um caso perdido. Fui para igrejas, templos budistas, meditei nos Andes e conheci uma mãe de santo que jurou que me curaria. Não adiantou, fiquei pobre, passei a não pagar o meu provedor de internet, a atendente que veio me cobrar se comoveu, mas o capitalismo é cruel. Estou com o nome sujo no Serasa, SPC, na delegacia e no aviário do seu Manoel (meus sinceros pedidos de desculpas a ele, faço esta crônica como tentativa de remição), pois nunca paguei pelas galinhas pretas que usei, alegando defeito de fábrica.
As redes sociais eram um entre-lugar para mim: eu me sentia deslocado. O que eu iria comentar com/sobre os amigos felizes? As postagens e réplicas eram quase sempre laudatórias e monossilábicas; eu sou denso, extenso e gosto de polêmicas. Prefiro o caos à ordem. Acho os defeitos e os atritos comoventes. Com bem mais de mil amigos, eu me sentia profundamente solitário. Ter amigos nas redes sociais não é garantia de companhia ou, sequer, de amizade. Todos se tornam estranhos e egocêntricos na internet, as postagens, em sua maioria, começam com “eu” ou o “eu” está diluído em cada palavra. Como protesto, eu deletava “amigos” com frequência, era um prazer sádico, uma revolta declarada à estupidez. Entretanto, com tantos amigos, ninguém sente falta quando é deletado, todos são descartados e facilmente substituíveis, e minha insurgência apenas servia para purificar minha alma e abrir vagas para novas amizades. Procura-se um amigo humano e realmente imperfeito! Quero o errante. Quanta presunção da minha parte.
As vaidades são ululantes: jamais um usuário do Facebook assumiria sua infelicidade e se culparia: a culpa é sempre do próximo ou do distante. Exercita-se o dom de encontrar algozes. Inclusive um usuário mais vaidoso já é motivo de ódio entre os demais. Talvez recalque – uma palavra a que eu só tinha acesso por meio de anciãos ou das redes sociais. Aliás “recalque” é uma palavra extremamente recalcada.
O Facebook é silencioso como um templo: cada um faz suas orações em seu canto. Quando alguém resolve orar mais alto do que outros, é ignorado. O silêncio é perfeito, ilusório e parente consanguíneo do vazio.  Eu gosto de barulho, da algazarra, do tumulto, de ver a vida pulsar. Gosto de olhar nos olhos, de falar ao pé do ouvido – coisa que os alaridos viabilizam, pois no caos sonoro, só nos resta conversar sussurrando bem próximos aos ouvidos do nosso interlocutor -, de sentir o timbre de voz, de tatear o nervoso gelado das mãos, de ver o espanto, a timidez e o amor estampados na face. Resolvi assumir minha condição: sou imperfeito demais para manter uma conta nas redes sociais. E como a realidade é imperfeita – ao contrário da virtualidade enganosa -, saio do Facebook para vivê-la.


(Felipe Vigneron)